RESUMO PROGRAMA

Na oitava edição do FIMFA Lx existem vários destaques que mostram o lugar cimeiro e inovador do teatro de marionetas e de formas animadas.

A abertura oficial decorrerá no Museu da Marioneta com a companhia Buchinger’s Boot Marionettes, que traz uma homenagem a Alfred Jarry. Um colectivo multinacional com um imaginário muito especial, que trabalha com marionetas e actores num universo excêntrico e peculiar, que surpreende pela complexidade e perfeição das suas marionetas: ossos, metal, madeira, plantas, insectos, bactérias, animais e cópias artificiais, completas, conservadas, antropomórficas, mecanizadas, ferramentas, instrumentos estranhos, tudo para iluminar, maravilhar e, simultaneamente, perturbar, provocar e causar horror. A mistura única de técnicas e de marionetas, a sua música orgânica, para além de belas e inquietantes imagens, têm encantado o público por toda a Europa, deixando-o impressionado, desconcertado e absolutamente cativado.
No Centro Cultural de Belém o grupo Hotel Modern volta pela segunda vez, após o grande êxito alcançado na edição anterior. “Kamp”, uma impressionante réplica do campo de concentração de Auschwitz, um apelo para que o brutal genocídio ali vivido não seja esquecido. Cerca de quatro mil marionetas de 8 centímetros de altura, representam os prisioneiros e os seus carrascos. Ordenando-os para a recontagem matutina ou fazendo-os trabalhar... Os actores movem-se pelo palco como repórteres de guerra gigantes, filmando em directo os terríveis acontecimentos e projectando-os em tempo real, enquanto o público se converte em testemunha. Ao ar livre e dirigido a todos os públicos dois projectos experimentais: um caleidoscópio gigante, uma maravilha visual e sensorial imperdível, explosão de luz, cores e formas psicadélicas num ambiente muito especial, o público viaja entre a surpresa, o êxtase, o bem-estar e a euforia, é o projecto “Kaleidoscopik Creature” da companhia Le Moulin aux Chimères, uma concepção do arquitecto Emmanuel Rannou, que desenvolveu várias experiências ao nível da óptica. Os holandeses Babok apresentam “Iglo”, no cruzamento entre uma exposição interactiva e uma performance de rua, dois singulares habitantes de uma estranha habitação e os seus curiosos animais mecânicos vivem agora no CCB. Uma curiosa instalação-espectáculo que aborda a alienação, a diferença e de como nos podemos adaptar, bem como as características especiais das pessoas.

O Museu do Oriente acolhe a companhia chinesa Quanzhou Marionette Troupe, a mais famosa companhia do mundo de marionetas de fios, considerada uma das maiores e melhores pela riqueza da sua tradição, manipulação e beleza das suas marionetas. É a orgulhosa detentora de um conjunto de práticas performativas, repertório, antigos instrumentos e de uma música específica para marionetas de fios, centenas de anos de uma herança cultural que a tornam um legado cultural único. Pela primeira vez em Portugal estarão 10 actores-manipuladores e oito músicos de instrumentos tradicionais chineses, para nos revelarem os segredos desta arte ancestral. De uma beleza estonteante, a perfeição de uma arte milenar de manipulação de excelência. A não perder.
Já que se fala de marionetas de fios, poderemos ainda ver a tradição das marionetas do Rajastão, uma das mais conhecidas da Índia, pelo indiano Prakash Bhatt, marionetísta de Jaipur, que pertence a esta famosa casta de marionetistas que transmitiram durante gerações os seus conhecimentos. A oportunidade única de observar de perto um dos grandes mestres indianos e as suas belas marionetas. O seu espectáculo mantém-se fiel à arte popular e tradicional de Kathputli, diferentes marionetas indianas (o malabarista, a dança do ventre, o mágico, o Marajá no seu cavalo, o encantador de serpentes...) surgem em diferentes danças, ao ritmo da música tradicional do Rajastão... mas atenção, pois este marionetísta irá também levar a sua arte às ruas de Lisboa.

No Teatro Maria Matos decorrerá o encerramento oficial do festival, mas antes poderemos ver a Cie du Petit Monde, com uma imaginativa ligação entre o teatro de objectos e a música, com instrumentos de culinária. Subitamente as saladeiras ganham vida, os rolos da massa começam a deslizar, a dançar. Estaremos a sonhar? Será que têm alma? O ritmo torna-se sincopado, a colher de madeira pega numa corda e converte-se num violoncelo, depois, em contrabaixo; a alienação das sertãs, em xilofones, nascidas de um estranho e heteróclito bazar que conta as suas pequenas histórias perante o olhar assombrado dos espectadores. É difícil resistir ao seu encanto, à sua presença, à sua estética, à sua nova utilização, à sua sonoridade e não deixar-se levar por este teatro de objectos com vida própria dentro de uma pequena cozinha musical que não deixa de surpreender. Absolutamente a não perder a internacionalmente aclamada companhia Pickled Image, com um peep show absolutamente hilariante e um espectáculo de teatro visual, “Houdini’s Suitcase”. As memórias de um velho aprendiz do grande Houdini revelam um macabro carnaval de estranhas, mas bonitas personagens, que aparecem para nos contarem a sua história – uma história de amor, perda, envelhecimento, infância, noites do circo e de guerra, complementadas por uma atmosfera e uma banda sonora muito especiais, um elenco de figuras singulares, máscaras e teatro de marionetas, comovente, pungente e cheio de um humor maravilhoso.

O Teatro da Trindade recebe a Cie Gare Centrale e Agnès Limbos, uma das maiores referências dentro do campo do teatro de objectos, com o espectáculo “Ô!”, com um pequeno toque sobrenatural que nos faz recordar ambientes misteriosos dos anos 50, um filme de Hitchcock... David Lynch... Agnès Limbos regressa e submerge-nos no seu universo selvagem e cómico, onde se diverte a reunir fantasia e realidade, tragédia e humor. Teatro de objectos a saborear com satisfação, entre interpretação, mimo e clown.
O festival é ainda composto por muitas outras experiências. No Museu da Marioneta poderá ainda ver a espantosa habilidade da argentina Valeria Guglietti, cujas hábeis mãos viajam por uma arte ancestral, as sombras com as mãos. Estamos perante uma obra de transformações e metamorfoses, os seus braços e mãos rapidamente se transformam num cisne, em duas serpentes ou até no E.T. Uma arte única, mantida apenas por uma mão cheia de indivíduos em todo o mundo, em que a combinação de mãos e dedos num ecrã branco podem contar um milhão de histórias.
São assinalados os vinte anos do Teatro de Marionetas do Porto com um espectáculo e um solo especial de João Paulo Seara Cardoso, “Capuchinho Vermelho XXX”, uma experiência de animação de objectos numa desconcertante adaptação, rigorosamente para adultos com sólida formação moral. João Calixto e Tiago Viegas trazem “As Pequenas Cerimónias”, numa noite de café curto e com cheirinho, uma trágica saga servida pelos próprios e as suas marionetas. É ainda de referir que no âmbito de promoção do trabalho desenvolvido por portugueses neste campo, surge a oportunidade de revelar os projectos que alguns desenvolvem no estrangeiro, muitos deles desconhecidos no nosso país, como o caso de Mafalda da Câmara (Buchinger’s Boot Marionettes) e José Pedrosa (La Cie du Petit Monde).
Umas das grandes surpresas será a apresentação dos franceses La Pendue, com um espectáculo inspirado nas marionetas de luva tradicionais, apoiados na personagem libertária e incontrolável do Velho Polichinelo, de uma forma nova, mas também com uma insolência e uma crueldade assombrosa, para além de uma manipulação absolutamente extraordinária, com uma cadência infernal, perseguições e corridas frenéticas, cenas de acção de cortar a respiração... capaz de rivalizar com um filme de Tarantino...

No C.A.Ma – Centro de Artes da Marioneta e depois do sucesso com a sua versão desenfreada do Capuchinho Vermelho, que esteve no FIMFA Lx6, Scopitone & Cie, dirigidos por Cédric Hingouët, apresentam novos números do seu projecto “Ze Patrècathodics”, duas pequenas formas para verem, de uma forma como nunca viram, histórias como as da “Pequena Vendedora de Fósforos” e “A Bela e o Monstro”. Peguem nos televisores dos vossos avós, e observem um divertimento absolutamente surpreendente, em cena atrás de um ecrã vazio acompanhado pelo playback do narrador em vinil, de voz nasalada e uma versão muito livre e pessoal de contos clássicos. De uma forma completamente louca, marota, com a ajuda de bonecas Barbie, de televisores dos anos 60, de gira-discos e de outros objectos vintage, Scopitone volta-se com ternura e poesia para os contos obsessivos da nossa infância, apresentados por um domador efeminado e uma apresentadora muito formal... Um universo absolutamente kitsch... Nas ruas de Lisboa e no C.A.Ma, a não perder a particularidade do trabalho da Cie de l’Auriculaire, “Mogrr?”... um universo povoado de seres muito estranhos manipulados por outro ainda mais peculiar... um pequeno conto visual, uma espécie de mostruário de monstros. Uma história entre sonhos e pesadelos, frágil e com humor... o instante de um frisson. Mogrr...

Realce ainda para as exposições patentes no Museu da Marioneta: “Dormitorium: Cenários Dos Filmes Dos Irmãos Quay”, 11 de Abril a 10 de Maio, em associação com a Monstra, uma extensa colecção de cenários e marionetas criados pelos britânicos irmãos Quay para os seus filmes e para algumas peças de teatro e ópera de cuja cenografia foram responsáveis. Num imaginário que funde Lewis Carrol com Luis Buñuel, passando por Franz Kafka e Jan Svankmajer. “Teatros de Papel: A Arte da Precisão”, colecção A Tarumba, Uma viagem ao universo mágico dos teatros de papel, verdadeiros teatros em miniatura, que possuíam inicialmente um carácter lúdico, sendo uma forma de os espectadores dos séculos XVIII, XIX e princípios do século XX, continuarem a desfrutar do prazer do espectáculo. No campo da formação Toni Rumbau volta ao festival, desta vez com um workshop sobre “A Linguagem do Teatro Popular de Marionetas: Repertório, Prática e Teoria”, onde revela alguns dos velhos segredos desta arte.